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Por Preâmbulo Tech
No mês de março o Código de Defesa do Consumidor (CDC) comemora 31 de sua entrada em vigor, ele traz normas de proteção e defesa, além de estabelecer conceitos e falar da Política Nacional de Relações de Consumo. O Código traz, em seu capítulo III, os Direitos Básicos do Consumidor.
Mas será que uma lei de 1991 está adequada à era digital em que vivemos? Os direitos do consumidor na era digital estão assegurados? Para entender melhor a situação, é preciso entender o crescimento do consumo eletrônico e o novo perfil de consumidor. Afinal, o Direito se faz a partir da realidade.
O crescimento do consumo eletrônico.
Em 2021, o e-commerce brasileiro atingiu seu maior patamar histórico de vendas: mais de R$ 53 bilhões. O faturamento do comércio eletrônico no primeiro semestre de 2021 cresceu 31% em relação ao mesmo período do ano anterior. Esses dados estão na 44ª edição do Webshoppers, relatório elaborado pela Ebit | Nielsen em parceria com o Bexs Banco.
Se em 2020, vivemos um boom nas relações digitais devido à pandemia, em 2021 elas se consolidaram. Foi o que aconteceu também no comércio eletrônico, com bilhões de consumidores utilizando a internet para fazer suas compras.
No Brasil, o Código de Defesa do Consumidor se mostra relativamente defasado em relação a essa nova realidade. Mesmo que tenha tido alterações nos últimos anos, as transformações são mais rápidas.
É fato que a internet é só mais um meio de comunicação inserido na sociedade que já conta com normas de defesa do consumidor. No entanto, a distância traz características específicas a essa relação.
Outro ponto de destaque é a falta de intervenção humana, já que o consumidor pode entrar em um site e comprar um produto sem falar com qualquer atendente. Isso pode trazer desequilíbrio e vulnerabilidade.
Disso, surge a necessidade de normatizar esses novos fatores, sem prejudicar a livre iniciativa. Para muitos especialistas, as palavras-chaves do direito do consumidor na era digital são segurança, transparência e informação.
Mas, antes de abordar tais direitos, vamos entender um pouco sobre quem é esse novo consumidor.
“Prosumer”: um novo consumidor.
Quem realiza compras no ambiente digital? O e-commerce é utilizado por pessoas de diferentes gerações, e não há uniformização de comportamentos e características deste consumidor. Cada um preenche suas necessidades no ambiente digital de determinada maneira.
Crianças compram games, ainda que sob supervisão dos pais, e adultos compram diversos produtos e serviços. Muitos indivíduos aderiram às compras no ambiente online pela primeira vez durante a pandemia. Seja qual for a característica desse sujeito, o consumidor mudou seu comportamento.
Atualmente, podemos ver um consumidor mais ativo e mais consciente na tomada de decisões. A internet possibilita, por exemplo, encontrar reclamações e feedbacks de outros clientes sobre determinado produto ou serviço. Isso é um aspecto importante desse novo consumidor, que fica mais ativo nas mídias eletrônicas, produz conteúdos sobre sua compra, se mostra satisfeito ou insatisfeito.
Por esse motivo, passaram a chamar esse indivíduo de “prosumidor” (prosumer), que consome, mas produz conteúdo. Ele sai da posição passiva no ciclo de consumo e passa a ter uma participação ativa, que condiciona inclusive a própria existência do produto ou serviço. Afinal, basta um comentário negativo de uma pessoa influente para que as vendas despenquem.
Se você conhece algum advogado que já foi mal avaliado na internet, sabe exatamente como esse feedback pode impactar no escritório. Por isso, é fundamental ter atenção a esse novo perfil do consumidor, especialmente quanto à obediência de seus direitos.
No entanto, nem tudo são flores. Junto com esse novo “poder”, aparece o lado ruim do consumo digital: desatenção e vulnerabilidade.
Desatenção e vulnerabilidade no consumo digital.
Essa produção de informações dos consumidores pode comprometer o exercício de seus direitos, caso eles não se atentem à nova realidade. Isso porque as empresas conseguem acessar tais dados para direcionar anúncios de forma personalizada. E tudo com o consentimento do consumidor, sem ele sequer perceber. Há, sim, uma renúncia voluntária à privacidade.
Na prática, elas fazem publicidade explorando as características daquele consumidor para influenciar sua tomada de decisão. Ou seja, a própria informação traz maior vulnerabilidade ao consumidor, que também é aumentada devido à desatenção.
Na internet, estamos sujeitos a uma infinidade de conteúdos, inclusive com informações falsas. Esse excesso de informação causa um desequilíbrio entre empresas e consumidores, pois estes deixam se de atentar às informações relevantes, já que existem tantas outras informações sobre os produtos ou serviços adquiridos:
Ou seja, temos um consumidor empoderado e com vulnerabilidades. Por este motivo, é importante revisar os direitos do consumidor na era digital para que ele não fique desamparado. O fortalecimento de outros mecanismos, como as políticas nacionais do consumidor, os órgãos de proteção, e programas educacionais e informativos são de fundamental importância.
A Defesa do Consumidor na era digital
Em 1991, surgiu o Código de Defesa do Consumidor trazendo, dentre outros conceitos, a definição de fornecedor, produto e serviço. Com o advento da era digital, foi preciso um maior aprofundamento nos deveres do fornecedor e nos direitos do consumidor.
Foi neste contexto que nasceu a Lei do E-commerce (Decreto nº 7.962/2013), que regulamentou o Códito de Defesa do Consumidor sobre a contratação no comércio eletrônico. Além dela, foi aprovado em 2020 o Decreto nº 10.271, que dispõe sobre a proteção dos consumidores nas operações de comércio eletrônico.
E quais são os principais direitos do consumidor na era digital de acordo com as leis atuais? De acordo com o artigo 1º do Decreto de 2013, a contratação no comércio eletrônico deve abranger os seguintes aspectos:
- Informações claras a respeito do produto, serviço e do fornecedor;
- Atendimento facilitado ao consumidor;
- Respeito ao direito de arrependimento.
Acesso fácil e claro às informações.
É direito do consumidor acessar, de maneira fácil e clara, as informações do negócio e dos produtos ofertados. E quais são as informações necessárias? Ambos os decretos são complementares e dispõem o seguinte:
- Condições integrais da oferta, com informações sobre formas de pagamento, disponibilidade, forma e prazo da entrega ou disponibilização do produto ou da execução do serviço;
- Modalidades de pagamento, com quantidade de parcelas, periodicidade e o custo financeiro total da operação (vendas a prazo);
- Características essenciais do produto/serviço, incluídos os riscos para a segurança e a saúde dos consumidores;
- Preço, incluídos os impostos, e eventual custo adicional ou acessório (custos de entrega/frete, seguro etc.);
- Identificação de registros dos produtos sujeitos a regimes de autorização prévia, se corresponder;
- Endereço físico e eletrônico do fornecedor, e outras informações necessárias para sua localização e contato;
- Nome empresarial, CNPJ ou CPF, se for o caso, e número de identificação tributária do fornecedor;
- Qualquer outra informação relevante que deva ser de conhecimento dos consumidores.
- Condições, termos e/ou limitações da oferta e disponibilidade do produto ou serviço;
- Informações claras e ostensivas sobre quaisquer restrições à fruição da oferta;
- Condições da garantia legal e/ou contratual do produto ou serviço;
- Site do serviço de atendimento ao consumidor;
- Identificação do fabricante, se corresponder.
Informação em caso de ofertas de compras coletivas ou semelhantes.
Além do que acabamos de falar sobre o direito do consumidor à informação, é preciso destacar a hipóteses das compras coletivas. As informações sobre esse tipo de compra também devem estar dispostas de forma clara ao consumidor. Para tanto, é preciso informar:
- a identificação do fornecedor responsável pelo site e do fornecedor do produto ou serviço ofertado;
- a quantidade mínima de consumidores necessária para efetivação do contrato;
- o prazo para utilização da oferta pelo consumidor.
Atendimento facilitado ao cliente.
Outro direito do consumidor na era digital é o atendimento facilitado. Como ele não tem contato com atendente nem com a loja física, pode ter dúvidas durante a compra ou depois dela.
Por isso, o fornecedor deve facilitar esse acesso. Isso pode acontecer por chatbots (atendimento automatizado), página de FAQ, Serviço de Atendimento ao Consumidor (SAC) ou Central de Relacionamento com o Cliente (CRC.
O principal para se ter em mente é ter um canal de atendimento direto. De acordo com o art. 4º da Lei do E-commerce, o fornecedor deverá “manter serviço adequado e eficaz de atendimento em meio eletrônico, para que o consumidor resolva demandas referentes a informação, reclamação, dúvida, suspensão ou cancelamento do contrato”.
Respeito ao direito de arrependimento do consumidor.
O direito ao arrependimento já é algo previsto no Código de Defesa do Consumidor. Veja:
Art. 49. O consumidor pode desistir do contrato, no prazo de 7 dias a contar de sua assinatura ou do ato de recebimento do produto ou serviço, sempre que a contratação de fornecimento de produtos e serviços ocorrer fora do estabelecimento comercial, especialmente por telefone ou em domicílio.
Parágrafo único. Se o consumidor exercitar o direito de arrependimento previsto neste artigo, os valores eventualmente pagos, a qualquer título, durante o prazo de reflexão, serão devolvidos, de imediato, monetariamente atualizados.
O dispositivo não traz a especificidade do ambiente digital, mas o tratamento é semelhante. Afinal, a compra ocorreu fora do estabelecimento comercial. Para exercitar o direito de arrependimento, é preciso observar o prazo de até 7 dias após o recebimento do produto.
Ao fornecedor cabe atender à solicitação e realizar a logística reversa. O comprador sequer precisa explicar o motivo para desistir da compra.
A Lei do E-commerce veio para reforçar esse direito, que prevê a devolução do dinheiro de maneira integral. Veja algumas regras:
- O fornecedor deve comunicar o arrependimento à instituição financeira ou à administradora do cartão de crédito ou similar, para que evitar o lançamento da transação na fatura ou o estorno do valor.
- É obrigação do fornecedor informar, de forma ostensiva e clara, os meios adequados e eficazes para o exercício do direito de arrependimento.
- O consumidor pode exercê-lo pela mesma ferramenta utilizada para a contratação ou por outros meios disponibilizados.
- Ao exercer tal direito, os contratos acessórios também serão rescindidos sem qualquer ônus para o consumidor.
Ponto de atenção para o e-commerce: LGPD.
Os direitos do consumidor na era digital trazem outro ponto de atenção para todos os envolvidos: os direitos envolvidos na Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.
Ela “dispõe sobre o tratamento de dados pessoais, inclusive nos meios digitais, por pessoa natural ou por pessoa jurídica de direito público ou privado, com o objetivo de proteger os direitos fundamentais de liberdade e de privacidade e o livre desenvolvimento da personalidade da pessoa natural”.
Essencial para o Direito Digital, a LGPD é de observância obrigatória para os fornecedores. Isso significa que o escritório de advocacia precisa obedecê-la ao prestar seus serviços. De igual maneira, o vendedor do e-commerce precisa obedecê-la. Afinal, ela traz regras específicas para garantir a individualidade e a privacidade das pessoas.
Padrões de segurança e políticas de privacidade precisaram ser revistas com a entrada em vigor da lei para atendê-la. O ponto principal é compreender seus princípios, que são:
- Consentimento (usuário deve dar seu consentimento para que seus dados sejam utilizados para as finalidades postas pela empresa);
- Finalidade (a coleta de dados atende a uma finalidade legítima, explícita, específica e informada ao titular);
- Legítimo interesse (uso de dados pessoais sem o consentimento, em caso estabelecido em lei);
- Necessidade (só é possível tratar os dados necessários para as finalidades comerciais), dentre outros princípios.
Os direitos do consumidor na era digital estão previstos no Código de Defesa do Consumidor, na Lei do E-commerce e no Decreto nº 10.271/2020. Grosso modo, podemos dizer que os direitos consumeristas nas compras presenciais se aplicam no ambiente digital, com algumas particularidades que a própria legislação traz.
Um ponto de atenção que precisa entrar na equação é a LGPD, que já está em vigor. Ela trata da proteção dos dados pessoais e é aplicável também ao e-commerce.
E para além do comércio eletrônico, os escritórios de advocacia precisam se atentar aos direitos do consumidor na era digital, inclusive a LGPD.